terça-feira, 15 de setembro de 2009

A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E A LEITURA LITERÁRIA

“A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio artesão – no campo,

no mar e na cidade –, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
comunicação. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retira-la
dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do
oleiro na argila do vaso.”
(Walter Benjamim – O Narrador)
“Era uma vez uma linda princesa...”
Assim começava a saga da linda princesa que almejava a felicidade junto á seu príncipe encantado. Mas as coisas mudam... as histórias também. Hoje em dia a princesa não espera mais na torre, não espera mais pelo beijo do príncipe, ela simplesmente tomou vez e vai em busca de seus sonhos, hoje a princesa luta, arrota na cara do príncipe e até engravida. A transformação só começa...
“Lá na mata vivia...”
E lá se vinham muitas histórias de bode, de onça e milhares de histórias de macacos espertos. Muitas vezes os bichinhos nos ajudavam com lindas morais em seus desfechos. Hoje os macacos deram lugares a animais com e-mail, com celular e muitos outros que evoluem juntamente com a tecnologia...
Todo mundo gosta de ouvir histórias, de contar e até de recontar. Quem não faz isso com as piadas? (E as piadas não passam de histórias bem humoradas). Mas as pessoas pararam de contar histórias... os olhos pararam de brilhar frente a vovó que sentava numa pedra para nos deliciar com seus contos.
Muitos sacis foram esquecidos nas matas, muitas princesas ficaram em seus reinos tão distantes, muitos forasteiros deixaram de viajar. Mas o abandono foi verbal, porque na escrita, a contação começou mais forte do que nunca. Com os livros as histórias se multiplicaram. Os enredos, os personagens e os títulos se tornaram os mais variados. Os tipos de leitura e de contação foram se transformando e se tornando muito mais importante, muitas delas sem deixar de lado a sua origem verbal - como fez o saudoso e exímio contador de causos Moreira Campos – que traduzem não só a cultura como a essência de um povo. Aos poucos a escrita foi tomando características específicas e sendo nomeada. A escrita literária é a mais importante dentre elas.
Mas a escrita literária se tornou tão importante que se fixou muito aos livros que a origem de toda a criação de histórias foi praticamente posta de lado. Para tanto muitas pessoas buscam reativar essa atividade verbal traçando um paralelo com a leitura escrita. Em Itapiúna está de parabéns o Projeto Recontando Histórias da E. E. F. M. Franklin Távora, que de uma maneira criativa busca incentivar os alunos a leitura literária por meio da contação de histórias.
“O contador de histórias cria imagens no ar materializando o verbo e transformando-se ele próprio nessa matéria que é a palavra”( Cléo Busatto)
Os contadores de histórias são os próprios alunos, alguns nem alunos são mais.
“O contador de histórias, como um mágico, faz aparecer o inexistente, e nos convence que aquilo existe” (Cléo Busatto)

O público, nossos futuros leitores literários. A coordenação do projeto não devia ser por outros senão pela biblioteca do colégio.
O projeto visa alcançar um número maior de leitores, para tanto usam muitos livros ditos Literários, e muito, a contação do enredo em si, se fixando aos fatos. Vale lembrar que o projeto visa oferecer um breve resumo, uma breve contação da história do livro, o que não compete ao contador a discussão de traços que o caracterize como literário. A intenção é pôr o gostinho do livro para que o ouvinte da história busque o livro para deliciá-lo por completo, até porque também, a mensagem e toda a ação do livro quem deve provocar no leitor é o autor e não o contador.
‘O contador de histórias nos fazem sonhar porque ele consegue parar o tempo, nos apresentando um outro tempo”(Cléo Busatto)
Há quem diga que essa atividade não se caracterize como contação de história e que não seja viável trabalhar isso nas escolas. Eu por outro lado discordo, pois participei do projeto por mais de três anos e pude acompanhar de perto os bons resultados do projeto. O Contador se mantêm fiel a arte que criou o autor, não deixando de lado a magia criada, melhor que usada, ela é compartilhada e usada no dia-a-dia como uma simples conversa..
Quando falamos de Leitura Literária, o aluno dá um soluço de susto. Pois essa leitura é muito formal, não falo pela maneira que o autor a escreve e sim pela maneira como é tratada na escola e principalmente na sala de aula.
Tomemos como exemplo um professor que chega na sala e indica Dom Casmurro aos alunos para trabalharem aspectos literários do livro. Para isso o aluno deverá ler o romance, e fazer anotações sobre o enredo, personagens, tempo, espaço e muitos outros tópicos.
Está pronto.
Não podemos mais trabalhar Machado de Assis com esses alunos.
As exceções são mínimas.
O professor citado acima com certeza traumatizou seus alunos, além de banalizar a obra prima de Machado.
Para que isso não acontecesse a contação de história seria uma boa solução para inserir o aluno na “mente” do Bentinho e não no seu universo. Como a história acontece em primeira pessoa na contação de história o próprio Bentinho teria de contar e não um contador. Está feito o atrativo. Um homem que conta tudo a partir do seu ponto de vista, cria o espaço, o tempo e o ambiente, além de envolver um polêmico, divertido e suspeito caso de adultério.
O narrador passa estar presente, cria vida. Não como uma fofoca e sim, uma conversa entre amigos que a história vai se desenrolando pelas palavras do contador. Os ouvintes terão a chance de ouvir a obra, como uma conversa informal e o atrativo tendo funcionado, o leitor se encarregará de procurar o texto na íntegra para poder se adequar a uma discussão, uma vez que o contador faz um breve resumo do livro e não trata de detalhes do livro, detalhes estes que podem ser peças chaves dos livros.
A contação de história verbal veio para seduzir e encaminhar o novo leitor, não pôr os livros em suas mãos.
O projeto Recontando Histórias em Itapiúna soube muito bem usar essa contação verbal para o auxílio na formação de novos leitores. E não pense que os alunos ficam só nas contações não, os livros realmente saem das prateleiras para as mentes e as rodas de conversas dos alunos.
A escola Franklin Távora está de parabéns pelo projeto Recontando Histórias. Atitudes como estas são de grande valor para o nosso futuro.
Espero que possamos mais uma vez estar-mos juntos nessa jornada que não será fácil, mas nunca impossível de se obter bons resultados.

texto: Cosme Alves

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